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Desafios envolvendo capacidade civil e tratamento de dados

Com o constante avanço da tecnologia e da internet, a oferta de produtos e serviços tem se tornado cada vez mais acessível e dinâmica. A forma de contrair obrigações mudou tanto, que atualmente é possível praticar inúmeros tipos de negócio jurídico por meio de poucos toques no celular.

Como não podia deixar de ser, as crianças e adolescentes também passaram a ter contato com essa nova realidade do mercado, celebrando pequenos negócios jurídicos por meio da internet, como a aquisição de jogos e aplicativos, compra de alimentos por aplicativos de entrega, compra de filmes sob demanda, dentre outros.

Essa realidade do comportamento dos menores traz importantes reflexões.

Desde sempre as crianças e adolescentes participam dos atos civis mundanos, contraindo direitos e obrigações e firmando negócios jurídicos de diferentes naturezas, como pagando pelo uso do transporte público, comprando revistas e materiais escolares e praticando tantas outras condutas sociais.

Nesse contexto, de acordo com parte da doutrina, o dinamismo das relações sociais no mundo atual faz com que seja necessária uma compreensão dos contratos pautada mais na atividade efetivamente exercida, do que propriamente na vontade manifestada pelos então contratantes. É a concepção do contrato sob um viés objetivo que baliza a análise do que esta parte da doutrina chama de relação contratual de fato. É o entendimento de condutas sociais típicas e mundanas como fontes de relações contratuais.

Segundo o estudo de Enzo Roppo, o fato constitutivo das relações contratuais objetivas “não é propriamente o contrato, mas sim o contato social estabelecido entre as partes, ao qual a lei atribui valor de fonte de relação e das respectivas obrigações e responsabilidade” [1]. Isto significa dizer que as relações contratuais de fato não derivam de um contrato entendido à luz do que dispõe a letra fria da lei, da análise dos requisitos legais que fundamentam a constituição de um vínculo contratual de forma desprendida da realidade fática, “mas de um complexo de circunstâncias e comportamentos — o contato social — que tomam o lugar do contrato” [2].

Sob tal perspectiva fica a seguinte questão: seria correto afirmar que a aceitação de termos de uso de aplicações de internet, a aquisição de bens dentro destas aplicações, a autorização para tratamento de seus dados e outras condutas atualmente praticadas por menores de idade no ambiente da internet, muitas vezes com muito mais familiaridade e conhecimento do que teriam seus próprios representantes, seria inválido por não observar os pressupostos legais que o constituem, em particular no que diz respeito à capacidade atribuída ao agente?

Quando analisamos as definições trazidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (“ECA”), verificamos o seguinte conceito: “considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade” [3].

O Código Civil, por sua vez, estabelece que o menor de 16 anos deve ser representado por seus pais e/ou tutores na prática dos atos da vida civil, enquanto os maiores de 16 e menores de 18 anos devem estar apenas assistidos por seus pais ou responsáveis. Essa distinção é denominada como incapacidade absoluta e relativa, respectivamente.

CATEGORIA: Contratos